Ives Gandra Martins: O STF de ontem e o de hoje
- Conexão Verdade
- 28 de fev.
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Hoje a Suprema Corte adota uma linha diferente, atuando também como legislador positivo e até mesmo como corretor de rumos do Executivo, legislando e administrando"
Formei-me em 1958 em direito na FDUSP e, desde o início da década de 1960 — quando cinco dos atuais ministros ainda não haviam nascido —, atuo perante a Suprema Corte.

À época, o Poder Judiciário apenas podia decidir se uma lei era ou não constitucional, mas jamais elaborá-la e, mesmo durante o regime de exceção (1964-1985), sempre manteve essa postura.
Assim, a principal característica do STF era ser um Poder técnico, funcionando como legislador negativo, em absoluta consonância com o previsto no artigo 103, §2º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual, mesmo nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, os ministros não poderiam elaborar a lei, mas, no máximo, declarar sua omissão inconstitucional e solicitar ao Legislativo que a criasse:
§ 2º — Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias (...).
Hoje, entretanto, a Suprema Corte adota uma linha diferente, atuando também como legislador positivo e até mesmo como corretor de rumos do Executivo, legislando e administrando. Segue, assim, uma linha doutrinária cujos nomes variam entre neoconstitucionalismo, consequencialismo e jurisdição constitucional.
Isso significa que, repetidas vezes, o STF tornou-se um Poder Político, legislando em matérias que deveriam ser de competência exclusiva do Congresso, como nos casos do marco temporal, do aborto, da regulação da internet, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, das drogas, da anencefalia, entre outros.
Ocorre que o Judiciário, por não representar o povo, mas apenas a lei, ao exercer funções legislativas e administrativas, condena o país a ter três Poderes políticos, e não dois políticos e um técnico. A meu ver, isso gera insegurança jurídica, resultando na eliminação do juiz natural, inquéritos intermináveis, alargamento do foro privilegiado para um universo de cidadãos comuns, o estabelecimento de uma única instância sem via recursal, dificuldades de acesso às acusações, banalização das prisões provisórias e preventivas, entre outros problemas.
Por essa razão, os ministros do STF só podem sair cercados de seguranças, recebendo do povo o mesmo tratamento dispensado aos políticos. São apoiados por aqueles que representam a linha política com a qual a Corte demonstra afinidade e criticados pelos que dela divergem.
Lembro-me de que, nos 43 Simpósios de direito tributário que coordenei no Centro de Extensão Universitária — sempre trazendo ministros do STF, do STJ e desembargadores para palestras —, saía para jantar com os ministros Moreira Alves, Oscar Corrêa, Sydney Sanches, Cezar Peluso, Cordeiro Guerra e outros, às vezes andando sozinhos pela rua, sem necessidade de seguranças.
Com todo o respeito que os eminentes ministros da Suprema Corte merecem — grandes juristas que são —, entendo que tal atuação não reflete a vontade do Constituinte, claramente expressa ao determinar que caberia ao Legislativo zelar por sua competência normativa perante os Poderes Judiciário e Executivo:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;
Nunca questionei o nível intelectual, a idoneidade moral ou a competência dos ministros. No entanto, permito-me, como um velho professor, divergir doutrinariamente da linha por eles adotada. Minha palavra serve, no máximo, para reflexões acadêmicas, enquanto suas decisões têm força de lei.
No entanto, no momento que, uma vez examinados os Poderes Judiciários de 142 países, ficamos em 80º lugar no Rule of Law Index (Índice de Estado de Direito), publicado pelo WJP (World Justice Project), creio que muito há para meditar.
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