E, todos os dias, ele vai ao encontro dela.
O religioso sai da casa de dois andares ao lado da Igreja de São Pedro, a construção mais imponente no centro de Manaquiri, no Amazonas, e faz uma caminhada de três quilômetros, o suficiente para entrar em contato com aquilo que é "maior que a humanidade".
"Aqui você está mais em comunhão com a natureza, mais próximo de Deus", reflete Arcelin, que é natural de Tamil Nadu, um dos Estados mais populosos e urbanizados do país com mais gente no mundo, a Índia.
No Brasil desde 2016 e à frente da paróquia há um ano, o padre percorreu um caminho que tem sido repetido por dezenas de católicos indianos nos últimos anos: a chegada como missionário ao Brasil, as aulas intensivas de português e o envio para o interior da Amazônia – de onde muitos não saem mais.
Mas a escolha de permanecer no meio da floresta não vem apenas da comunhão com a natureza.
É no meio do maior bioma do Brasil, que cobre cerca de 49% do território nacional, que a Igreja Católica tem encontrado mais dificuldade de encontrar e alocar padres, segundo religiosos indianos e brasileiros com quem a BBC News Brasil conversou.
Há comunidades que passam o ano inteiro sem uma missa, mesmo tendo uma igreja.
“Aqui, faltam padres, e a missão é muito grande”, resume Arcelin, que divide a administração da paróquia com outro indiano, o padre Bala Suresh.
A maioria dos indianos tem chegado ao Brasil nos últimos 15 anos por meio de congregações católicas com atuação nos dois países, principalmente duas: Missionários de Maria Imaculada (MMI) e do Verbo Divino.
Hoje, há padres indianos rezando missas em português em cidades como Humaitá, Novo Aripuanã, Itacoatiara, Manaus e Borba, todas no Amazonas.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) informou não ter um levantamento com base na nacionalidade de religiosos que atuam no país.
Mas os números do principal local de acolhimento para ambientação de religiosos estrangeiros, o Centro de Formação Intercultural (Cenfi), mostram que indianos já são a maioria.
Nos últimos três anos, segundo a CNBB, homens e mulheres da Índia foram os que mais participaram do curso de iniciação cultural, com aulas de português: foram 18, seguidos dos indonésios (13).
Em estimativas dos próprios religiosos à frente das missões, hoje haveria mais de 100 indianos atuando em igrejas católicas espalhadas pelo Brasil.
Em geral, os indianos que chegam ao país já são de famílias católicas. A Índia tem apenas 2% de cristãos, muito menos que os hindus e muçulmanos — pode parecer pouco, mas isso equivale a quase 30 milhões de pessoas.
O primeiro pedido por indianos
Às margens da BR-060, numa das saídas de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, um portal com uma cruz no topo e uma placa escrita "encontre o divino" recebe grupos de indianos que chegam ao Brasil.
É ali onde funciona o Sítio Pérola, a "casa-mãe" do MMI, grupo criado no fim dos anos 1990 justamente para ser uma conexão direta Índia-Brasil.
A congregação surgiu numa viagem do padre Arul Raj para visitar seu irmão mais velho, o padre Jesudhas Jesuadimai Fernando, hoje com 78 anos, que havia sofrido um grave acidente de carro na região do Pantanal, interior de Mato Grosso do Sul.
Aqui, recebeu um pedido do então arcebispo de Campo Grande, dom Vitório Pavanello.
"Quando ele veio me visitar, o arcebispo perguntou se ele conseguiria arrumar padres para o Brasil e o incentivou a criar a missão", lembra o padre Jesudhas, pioneiro na chegada ao país, em 1989.
Jesudhas já estava no Brasil porque havia lido uma reportagem num jornal indiano que dizia que 200 mil católicos estavam virando evangélicos por ano pela “falta de padre” no país. Ele veio para tentar frear essa debandada.
Já em Campo Grande, aprendeu português com pedreiros que construíam uma nova igreja e foi para o interior sul-mato-grossense, em cidades onde lutou por melhores condições de trabalho em carvoarias.
Foi ele quem recebeu os primeiros enviados do MMI, na cidade de Marabá, no Pará, e quem fez o primeiro contato com bispos da Amazônia: "Eles pediam 'por favor' que a gente fizesse
uma experiência com missionários indianos ali".
No Sítio Pérola, os indianos que chegam ainda recebem aulas de português por seis meses e são orientados sobre a cultura brasileira.
Atualmente, há 11 padres da MMI espalhados pelo Brasil, sendo cinco em Mato Grosso do Sul e seis no Amazonas — além deles, há ao menos outros oito padres que deixaram o grupo para se tornar membros de paróquias na Amazônia.
Ou seja, são padres que deixam de ser "religiosos" (ligados a uma congregação e vivendo em comunidade) e se tornam "diocesanos" ou "seculares" (que trabalham para uma paróquia e têm possibilidades de ter propriedade e salário).
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